“Sempre desconfiei de
narrativas de sonhos. Se já nos é difícil recordar o que vimos despertos e de
olhos bem abertos, imagine-se o que não será das coisas que vimos dormindo e de
olhos fechados... Com esse pouco que nos resta, fazemos reconstituições
suspeitamente lógicas e pomos enredo, sem querer, nas ocasionais variações de
um calidoscópio. Me lembro de que, quando menino, minha gente acusava-me de
inventar os sonhos. O que me deixava indignado.
Hoje creio que ambas as
partes tínhamos razão.
Por outro lado, o que mais
espantoso há nos sonhos é que não nos espantamos de nada. Sonhas, por exemplo,
que estás a convervar com o tio Juca. De repente, te lembras de que ele já
morreu. E daí? A conversa continua.
Com toda a naturalidade.
Já imaginaste que bom se
pudesses manter essa imperturbável serenidade na vida propriamente dita?”.
(Fragmentos de A vaca e o hipogrifo, de Mário Quintana)
Nenhum comentário:
Postar um comentário